...e depois, com bigodes de leite, pedem mais paciência e esforço ao povo, que a "vaca 'tá seca".

domingo, 24 de agosto de 2014

PAGAS TU OU PAGO EU?


Abro o recibo de vencimento apenas para ver o que é depositado nesse mês - qual doente de Alzheimer, o funcionário público conhece sempre um salário novo. Mas no último Dia de São Receber, dei uma olhada aos descontos, 38,5% dum salário já em si opíparo: 24% para o IRS, 11% para a CGA e 3,5% para a ADSE.

Esta última parcela tem subido nos últimos tempos, alegadamente para que o sistema seja pago apenas pelos usufrutuários, mas agora as contribuições são maiores que os gastos, i.e., sobra dinheiro, que o governo promete não utilizar noutro lado*.
Claro está que não haverá uma gavetinha para esse dinheiro (prova 1, a CGA foi sangrada até ficar 'insustentável') e nada impede que o Estado, que fica com esse aforro a render, não lhe dê outro uso, na próxima aflição. Temos pois uma nova versão do 'pagamento por conta' - havia para as empresas, por conta de receitas futuras, passa a haver para os funcionários, por conta de despesas futuras.
Bem haja um governo reformista: o seguro de saúde era parcialmente pago pelo patrão, pagou a ser pago somente pelo trabalhador e agora passa a pagar mais que o custo do 'benefício'. 
 
Durante um almoço, um amigo que trabalha no sector privado apresentou uns argumentos válidos:
- Porque é que eu tenho que pagar a tua ADSE?
- Bem, nos últimos tempos já não pagavas, o problema é que a malta, que já pagava o 'seguro de saúde', agora paga mais que o seu usufruto.
- E parece que a ADSE não é obrigatória.
- Tiro no porta-aviões...
- Mais, se o teu patrão está falido, não pode pagar benefícios.
- Ahã, mas também não tem que comparticipar a construção duma empresa ou a compra dum tractor, dar perdões fiscais ou deduzir o carro da empresa. Já agora, és tu que pagas o teu seguro de saúde?
- Paga a minha empresa, antes era complemento, agora faz parte do salário.
- Como o meu fazia!
No final do repasto, viemos embora no seu Audi novo - o carro da empresa com uso 24/7, como dizem os americanos, trocado a cada 3 anos. Presumindo que parte do leasing seja dedutível no IRC, c'est-à-dire, o Estado contribui (não recebendo) e eu também paguei uma lasca do retrovisor.
E, pela mesma lógica, via deduções no IRS ou no IRC (considerando-o ou não rendimento do trabalho), eu também comparticipo no seguro de saúde do meu amigo, que deus lhe dê saúde. Mas eu não posso deduzir a ADSE, o meu próprio seguro de saúde, nos impostos...
 
* A 1ª versão do diploma foi vetado pelo PR, argumentando que “não parece adequado” que o aumento das contribuições "vise sobretudo consolidar as contas públicas": "Numa altura em que se exigem pesados sacrifícios aos trabalhadores do Estado e pensionistas, com reduções nos salários e nas pensões, tem de ser demonstrada a adequação estrita deste aumento ao objectivo de auto-sustentabilidade dos respectivos sistemas de saúde". Trocado por miúdos, esse aumento significava que o ADSE ficaria  a custar menos que as contribuições, com lucro do Estado.  
O Governo insistiu, com uma nuance, as receitas dos descontos estão afectas à actividade da ADSE: “A receita proveniente dos descontos referidos no número anterior é consignada ao pagamento dos benefícios concedidos pela ADSE aos seus beneficiários nos domínios da promoção da saúde, prevenção da doença, tratamento e reabilitação”.

 

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