...e depois, com bigodes de leite, pedem mais paciência e esforço ao povo, que a "vaca 'tá seca".

quarta-feira, 23 de julho de 2014

COME E CALA



...ou um dia negro, uma diplomacia cinzenta, uma via verde e dinheiro branqueado.

 
Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, uma espécie de soba moderno considerado por alguns pior ditador que Robert Mugabe (bom exemplo, o ‘dono’ do Zimbabué foi suspenso da Commonwealth em 2002 e resolveu sair no ano seguinte), depôs o tio genocida em 1979, condenou-o há morte e prometeu acabar com anteriores práticas repressivas.
O 8º governante mais rico do mundo manda na Guiné Equatorial (GE) há 35 anos, com uma mão de ferro (é acusado de mortes ilegais por parte das forças de segurança, sequestros sancionados pelo Governo, tortura sistemática de presos, detenções arbitrárias e impunidade), mas muito ágil – em 2003, para evitar a corrupção por funcionários públicos, tomou conta do erário e ‘guardou’ meio bilião de dólares em contas suas e da família.
A propósito, são ministros o irmão e um filho de Obiang, e o vice-presidente da GE é o seu primogénito, que acumula com embaixador na UNESCO, um estatuto afortunado – a imunidade impede a sua detenção em França e nos EUA, por suspeitas de desvio de fundos e branqueamento de capitais. Pode assim passear pelas mansões ultraluxuosas espalhadas pelo mundo – os seus haveres incluem uma casa de 6 andares na Avenue Foch, outra em S. Petersburgo (com 2 Bugatti) e outra ainda em Malibu (com 1400 m2  e 36 carros, incluindo 7 Ferrari, 5 Bentley, 4 Rolls Royce e 2 Maybach) e a luva de diamantes de Michael Jackson.
80% dos 800.000 guineenses estão no limiar da pobreza, com um rendimento médio diário de 1 dólar. Mas a GE, graças ao caldeirão de petróleo onde assenta, tem uma riqueza per capita igual à do Reino Unido.
Dito isto, hoje é um dia glorioso para a diplomacia internacional, a Guiné Equatorial tornou-se membro de pleno direito da Comunidade de Países de Língua Portuguesa. As questões são muitas.

Foi à primeira? Não. Portugal torceu diplomaticamente o nariz à entrada da GE para membro da CPLP, em 2010 e 2012, porque o país não fala português e tem uma visão peculiar sobre democracia e direitos humanos. À terceira foi de vez, porque, explicou ontem Passos Coelho, ‘Seria, penso eu, muito negativo que Portugal permanecesse de forma resiliente opondo-se a esse alargamento. Creio que isso conduziria Portugal a um isolamento no seio da Comunidade de Língua Portuguesa que não é aquilo que Portugal deseja com certeza (…) Uma vez que foram avaliadas, as instituições e os estados não podem ter duas palavras, não podem estabelecer um conjunto de condições um dia e depois passado um ano ou dois virem a definir outras condições.’ Trocado por miúdos, não valia a pena fazer finca-pé, e a GE até fez progressos no que estava comprometida.
Fez mesmo? Obiang não proibiu a pena de morte, apenas decretou uma moratória, e declarou em 2011 o português a 3ª língua oficial (a seguir ao espanhol - a GE foi a única colónia africana de Espanha, cedida por nós em 1778 - e ao francês, que também não é falado), num país onde essa língua é, e continuará a ser, falada apenas pelos 500 portugueses que lá vivem - aliás, o anúncio da entrada na CPLP, no site oficial da GE, é feito em inglês, francês e espanhol, o que é simplesmente 'cuspir no prato'. Quanto à democracia, os partidos são legais no país, mas as eleições são consideradas fraudulentas pelos observadores internacionais e só 1 dos 100 deputados não é do partido de Obiang, que tem repetido os mandatos de presidente (o último iniciado em 2009) sempre com votações superiores a 97%  - em 2002, teve mesmo 103% num círculo eleitoral.

Quem mais intercedeu pela entrada da GE? Os 2 países que mandam efectivamente na CPLP, Brasil e Angola. Curiosamente, as assinaturas dos seus chefes de Estado são as únicas a faltar, JES e Dilma não apareceram em Timor  - curiosamente, O caso em que Portugal batalhou contra a realpolitik -, apesar da data ter sido adiada por causa da Presidenta (menos entusiasta que Lula no ingresso da GE). 

Qual o interesse de aceitar um Estado-pária? Para o próprio, respeitabilidade, e países-irmãos onde ‘caiar’ o capital acumulado; para os outros membros, a GE tem muito dinheiro para pagar a jóia de entrada (ex., 100M€ no BANIF) e ter garrafa no clube, e negócios para oferecer – com cautela e caldos de galinha (um empresário italiano fez uma sociedade com os Obiang e foi preso e torturado depois de reclamar que o dinheiro desaparecera).
Há outro argumento mais altruísta, Cavaco Silva afirmou que o acolhimento da GE 'é a melhor forma de contribuir para a melhoria do respeito pelos direitos humanos naquele país e para a constituição de instituições verdadeiramente democráticas', salientando com o exemplo da Coreia do Norte, que 'o isolacionismo nunca conduziu à democracia e ao respeito pelos direitos humanos'. E o colaboracionismo?, perguntarão os cépticos.

A CPLP tem algum interesse para quem não fala português? Foram admitidos hoje como observadores associados à Namíbia, Turquia, Geórgia e Japão, que se juntam ao Senegal e à Ilha Maurícia.
Os outros membros da CPLP são irrepreensíveis? A Guiné-Bissau é tida como um narco-Estado, onde os golpes de Estado se sucedem, e Angola tem um presidente eterno, cuja família e amigos acumulam a riqueza do país.
Portugal é exigente nas relações externas? Não, deu-se bem com Chavez e com Kadhafi, e é 'amigo' de Estados onde existe pena de morte, os EUA e China - com os padrões da europa, só a europa. E, como disse um ex-MNE, na política externa, os interesses estão acima da moral. 
Em jeito de conclusão destas P&R, poder-se-ia parafrasear Clinton, é a geoeconomia, estúpido.
 
p.s.: proposta peregrina, alguns membros querem uma espécie de espaço Schengen para as elites económicas da CPLP, uma espécie de via verde de capitais. Desta, Portugal pode escapar, alegando normas da UE

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