...e depois, com bigodes de leite, pedem mais paciência e esforço ao povo, que a "vaca 'tá seca".

terça-feira, 15 de maio de 2012

A DEBANDADA


Dulce Maria Cardoso nunca deixou de ser retornada (diz ela) e resolveu escrever O RETORNO, um livro sobre o 'regresso dos nacionais' - não os bem-sucedidos, 'esses seriam bem-sucedidos em qualquer parte do mundo, porque eram fortes e capazes', mas os outros.
Fala sobre aqueles que 'voltaram' a um país onde muitos nunca tinham estado, com frutas exóticas como as cerejas e um frio para o qual não estavam preparados.
Fala da fuga atabalhoada, como qualquer cenário de guerra (é preciso desespero para um pai furar uma multidão e empurrar literalmente os filhos para dentro de um avião, para pô-los a salvo do perigo - logo haveriam se se encontrar!), quando alguns se agigantam e outros revelam a sua pequenez, quando uns levam muito do que têm e outros deixam o pouco que juntaram - surpresa, havia lá ricos, pobres e remediados.
Fala da saudade dos seus países, onde deixaram (quase) tudo, excepto a memória.
Fala no acolhimento sobranceiro dos portugueses da metrópole, fosse na escola, fosse no que era mais próximo da palavra casa - como no caso do menino, alojado num hotel, que viu a piscina ser esvaziada por ordem da comissão de trabalhadores, pois piscina não era para 'essa gente'.
É, dizer que a integração correu bem é um exagero para muitos. Os portugueses ultramarinos eram mais empreendedores e desempoeirados, talvez porque estavam mais longe da Praça do Império, e tiveram que se fazer à vida e começar de novo (por exemplo na produção pecuária, ou em churrasqueiras, que não havia cá), mas nem todos foram casos de sucesso - houve uma apneia colectiva, e parte daquele meio milhão ainda guarda sequelas.

Ofereci este livro à minha mãe, nós também fizemos parte da lista do IARN (instituto de apoio ao regresso dos nacionais). Tinha 3 anos e não guardo nostalgias, mas ela lembra-se e não gostou - de deixar lá toda a sua vida, e da arrogância de quem cá encontrou.
E ignorância: a uma senhora que lhe perguntou 'Vocês trazem paludismo, não é?', respondeu 'Não, trazemos raiva!'. A dita hipocondríaca não entendeu a ironia...

p.s.: também os carros fizeram parte da história d'O Retorno. Em '74, o meu pai foi a Paris buscar um Renault 17 branco, um coupé raríssimo em Portugal. Um ano depois, no meio da debandada, ouviu num café um desconhecido dizer que precisava levar a família para Luanda, mas não tinha como. 'Ouça, o senhor precisa de carro, e eu preciso que o meu chegue a Luanda, a tempo de embarcá-lo. Leve-o e deixe a chave em tal sítio'. Assim foi, e um mês depois o R17 seguiu com outros 2500 carros num cargueiro sueco chamado Nopal, a caminho de Lisboa.
Ainda podia ter vindo outro: o dono dum stand queria desfazer-se dos carros e ofereceu-nos um alfa romeu, mas a oferta foi recusada, seria mais um problema a resolver...   

Sem comentários:

Enviar um comentário