...e depois, com bigodes de leite, pedem mais paciência e esforço ao povo, que a "vaca 'tá seca".

quinta-feira, 29 de março de 2012

POSTAIS ANTIGOS (XL) - VOYEURISMO

 
Lisboa
2/10º1913
E.ma Menina Anna
Poucos dias depois de aqui estar enviei-lhe um postal da terra. Não sei se o recebeu, pois não tive a sorte de me responder. Mas… eu desculpo, pois se não fossem os seus affazeres certamente o teria feito. Mas passemos a outro assumpto. Gosta dos postaes? Sabe que me tenho dado mto bem. Teem havido bailes em Sines e houve aqui um tambem, e recital, é claro que tenho aproveitado tudo. Até estou um (?) mto regular. Isto sem me querer gabar… Tambem tenho ido a varios pic-nics mto agradaveis. Matriculou-se este anno no conservatorio? E seus manos? Como tenciono regressar a casa na 5ª feira, mto em breve terei o prazer de ahi ir a sua casa. Dá-me licença, não é verdade? Vou terminar. Envio os meus cumprimentos mto sinceros para a sua E.ma família e para si ficando sempre ao dispor o
José Rocha
Tem sabido da doença da Bibi? Teve uma febre typhoide.

A ocupar 3 postais, assim escrevia José, de 19 anos, a Ana, de 18. Assim José cortejava timidamente Ana, mas teria que esperar ainda o casamento e viuvez precoce dela, para se juntarem e terem 2 filhos, 2 netos, 4 bisnetos e 3 trinetos... and counting.
Ver postais antigos da colecção é isto, bisbilhotar a intimidade alheia. 
Os namoros por declarar, os arrufos (Já hontem recebi o seu bilhete, fiquei sciente. Escrevo-lhe pela ultima vez d'esta rica terra, d'onde não levo saudades nenhumas), os desejos de melhoras, as recomendações e despedidas floreadas (Recomende-me muito ao papazinho e a todos, e até um dia. Que venha uma aragem mais suave que me leve a pude-la beijar de perto.), a tia depressiva [Por muito triste que seja a minha existência nunca me esquecerei de felicitar a minha querida sobrinha pelo seu anniversario (1914); Recebe os parabéns da tua infelis tia faço votos pelas tuas felecidades e peço a Deus que se lembre de mim o mais breve possível. Tua tia Francisca M. F. Rodrigues (1916)].

Agora já não se usam cartas, fala-se por mail, dão-se parabéns por telemóvel, namora-se por sms e comunicam-se constipações no facebook. Isso, partilha-se no facebook.
Resultado, é tão efémero como escrever na areia em maré baixa: daqui por cem anos (e podia dizer 10), não há palavras para 'espreitar'.
A contento, ao menos, dos ciosos da sua privacidade.

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